Já tem muito tempo essa história de que comer manga e tomar leite logo em seguida é uma mistura fatal. Seria mais fácil sobreviver a uma bala perdida do que a essa mistura no estômago. Tal combinação seria mais perigosa que qualquer remédio sem eficácia científica.
Mas, sabemos que isso não é verdade, provado “cientificamente” nas nossas cozinhas, lanchonetes e padarias e remonta desde a época da escravidão.
Temos outras misturas "bombásticas" como repolho com ovo, mas é para outro momento.
Bem, no agro temos um mito bastante antigo, parecido com essa história: a mistura de agrotóxicos em tanque de pulverização.
Há muito tempo se faz esse mix de agrotóxicos, até com adubos foliares, visando à otimização de tempo, à economia de água, à diminuição do uso de combustível, à redução de exposição do aplicador a produtos tóxicos e à uma menor operação de maquinário pesado no campo, retardando uma compactação de solo.
Em geral, são misturados fabricantes e tipos de produtos (pó e emulsões, por exemplo), sendo feito à base da tentativa e erro e utilizando-se para os ensaios garrafas pet e visualização no campo. Isto porque os fabricantes não disponibilizam tabelas do que se poderia associar ao seu produto.
Igual como os escravos faziam - comiam manga, tomavam leite e esperavam a reação química no bucho - o resultado, quando não satisfatório, era descarregado nas moitas das fazendas, por cima ou por baixo, se me entendem.
A coisa estava muito solta e precisava se ter mais amarras jurídicas, tanto para se ter certezas quanto para que os engenheiros agrônomos não trabalhassem mais à margem da lei.
Então, em 2018, o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) lançou a IN 40, que regulamentou essa possibilidade. Em uma pesquisa realizada por Gazziero (2015) em 17 estados do Brasil, constatou-se que 97% dos entrevistados utilizavam misturas em tanque e em 95% dessas eram utilizados entre dois e cinco produtos.
Isso também “atiçou” os pesquisadores para a realização de estudos de compatibilidade de produtos de forma científica. Mesmo assim, temos uma carência grande de informações, que até já existem, mas falta chegar à ponta, com publicidade e assistência técnica.
Assim, mesmo com a pesquisa e os testes que bons profissionais executam, sempre há falhas a corrigir e teimosos a punir. A legislação veio para isso.
Então, se você tem medo de misturar produtos no tanque, procure a orientação de um engenheiro agrônomo, estude tabelas de compatibilidades, faça testes nas garrafas... Já no bucho, todo cuidado é pouco, pois o resultado pode não ser “cheiroso” ou passar “limpo”.
Fonte: Manual técnico para subsidiar a mistura em tanque de agrotóxicos e afins / Dionísio Luiz Pisa Gazziero... [et al.]. – Londrina : Embrapa Soja, 2021. 23 p. - (Documentos / Embrapa Soja, ISSN 2176-2937 ; n. 437).
* Paulo Melo Segundo é engenheiro agrônomo pela UFRPE, Fiscal Estadual Agropecuário na Adapi e escritor agrodivertido, criando assim o Segundo Agro, um portal de informação simples, direta e humorada.
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